DA INTERPRETAÇÃO EQUIVOCADA DO INCISO II DO §2º DO ART. 4º DA LC nº 87/96, QUANTO A COBRANÇA DO ICMS DIFAL NA VENDA DE BEM POR PESSOA FÍSICA NÃO CONTRIBUINTE DO ICMS DESTINADA A CONSUMIDOR FINAL
- rodrigoaaaraujo
- Oct 22
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Updated: Oct 26
Vislumbra-se na pratica diária, quando da fiscalização do ICMS realizada pelas unidades da federação no tocante a cobrança do ICMS DIFAL, a aplicação por determinados Estados da Federação de entendimentos que contradizem as normas vigentes, mormente, a Lei Complementar nº 190/2022, que regulamenta a cobrança do ICMS nas operações destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto, a qual alterou a Lei Complementar nº 87/96.
Haja vista o entendimento equivocado praticado pela SEFAZ, acerca da exigência do ICMS em operações de vendas de produtos, principalmente produtos usados, realizadas por pessoa física não contribuinte do imposto, destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS localizado em outra unidade da federação.
Portanto, no caso em tela, infere-se que a justificativa utilizada pela SEFAZ para amparar e legalizar a cobrança do ICMS DIFAL nesse tipo de operação, tem por escopo a alegação de que a Lei Complementar nº 190/2022, que alterou a LC nº 87/96 em seu art. 4º, §2º, inciso II, dispõe ser o contribuinte do imposto o “REMETENTE DA MERCADORIA” e responsável pelo recolhimento do ICMS DIFAL quando o destinatário é consumidor final não contribuinte localizado em outro Estado, diante do que se explicita in verbis:
Art. 4º (...)
§ 2º É ainda contribuinte do imposto nas operações ou prestações que destinem mercadorias, bens e serviços a consumidor final domiciliado ou estabelecido em outro Estado, em relação à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual:
I - o destinatário da mercadoria, bem ou serviço, na hipótese de contribuinte do imposto;
II - o remetente da mercadoria ou bem ou o prestador de serviço, na hipótese de o destinatário não ser contribuinte do imposto. (grifo nosso)
Nesse diapasão, diante da exegese do texto supra, lançando mão da hermenêutica jurídica, em uma interpretação sistemática e teleológica, resta evidente que a palavra “Remetente”, contida na norma, em tese, refere-se ao “CONTRIBUINTE” inscrito no cadastro de contribuinte da Unidade da Federação, ou a ele equiparado, e não a qualquer pessoa física que realize vendas sem que seja com habitualidade ou volume que caracterize intuito comercial, como entende a SEFAZ, conforme passaremos a explicitar.
Primeiramente, antes de interpretarmos a norma digitada no inciso II do §2º do art. 4º da LC nº 87/96, mister se faz ressaltarmos que a Lei Complementar nº 87/96 define expressamente a figura do CONTRIBUINTE, vejamos:
Art. 4º Contribuinte é qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial, operações de circulação de mercadoria ou prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior. (grifo nosso)
§ 1º É também contribuinte a pessoa física ou jurídica que, mesmo sem habitualidade ou intuito comercial:
I – importe mercadorias ou bens do exterior, qualquer que seja a sua finalidade;
II - seja destinatária de serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;
III – adquira em licitação mercadorias ou bens apreendidos ou abandonados;
IV – adquira lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos derivados de petróleo e energia elétrica oriundos de outro Estado, quando não destinados à comercialização ou à industrialização.
§ 2º É ainda contribuinte do imposto nas operações ou prestações que destinem mercadorias, bens e serviços a consumidor final domiciliado ou estabelecido em outro Estado, em relação à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual:
I - o destinatário da mercadoria, bem ou serviço, na hipótese de contribuinte do imposto;
II - o remetente da mercadoria ou bem ou o prestador de serviço, na hipótese de o destinatário não ser contribuinte do imposto.
Art. 5º Lei poderá atribuir a terceiros a responsabilidade pelo pagamento do imposto e acréscimos devidos pelo contribuinte ou responsável, quando os atos ou omissões daqueles concorrerem para o não recolhimento do tributo.
Art. 6o Lei estadual poderá atribuir a contribuinte do imposto ou a depositário a qualquer título a responsabilidade pelo seu pagamento, hipótese em que assumirá a condição de substituto tributário.
Em tese, conforme expressamente disciplina a norma em epigrafe, de forma genérica, sem as especificações elencadas nos respectivos incisos, perquire-se se caracterizar como contribuinte qualquer pessoa, física ou jurídica, que realize, com habitualidade ou em volume que caracterize intuito comercial operações sujeitas ao ICMS.
Partindo dessa premissa, de chofre, chega-se a hialina ilação de que uma venda de um único produto usado realizada uma única vez por uma pessoa física, não poderia jamais ser caracterizada como uma venda realizada por contribuinte, diante da ausência de habitualidade ou de volume que caracterizasse intuito comercial, sendo essa uma premissa basilar.
Dito isso, com a devida máxima venia, evidencia-se de logo que a interpretação dada pela SEFAZ concernente à palavra “REMETENTE”, contida no art. 4º, §2º, inciso II da LC nº 87/96, alterada pela LC nº 190/22, acerca da cobrança do ICMS DIFAL de uma operação de venda de bem novo ou usado, realizada por pessoa física para consumidor final, não contribuinte, quando não se evidencia habitualidade ou volume que caracterizaria intuito comercial, caracteriza uma ilegalidade gritante e um equívoco crasso de interpretação, haja vista a ausência de base legal para a caracterização do vendedor PESSOA FÍSICA, como contribuinte do ICMS DIFAL da operação realizada destinadas a consumidor final não contribuinte, principalmente quando se trata de venda de bem usado.
Ao tempo em que se vislumbra dentro do conjunto normativo transcrito anteriormente, concernente ao disciplinamento contido no art. 4º da LC nº 87/96, acerca da definição de contribuinte, o dispositivo abaixo:
Art. 4º (...)
§ 2º É ainda contribuinte do imposto nas operações ou prestações que destinem mercadorias, bens e serviços a consumidor final domiciliado ou estabelecido em outro Estado, em relação à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual:
I - o destinatário da mercadoria, bem ou serviço, na hipótese de contribuinte do imposto;
II - o remetente da mercadoria ou bem ou o prestador de serviço, na hipótese de o destinatário não ser contribuinte do imposto. (grifo nosso)
Destarte, diante da leitura do texto supra, infere-se que o fato da norma acima dispor da palavra “REMETENTE”, necessariamente não quer especificar que seja a figura de qualquer remetente, e sim, do remetente que se caracterize como CONTRIBUINTE, o qual é inscrito no CCICMS ou que pratique operações com mercadorias com habitualidade ou volume que caracteriza intuito comercial, surgindo assim, para contrapor o equívoco de interpretação da SEFAZ, a necessidade de se aplicar uma interpretação sistemática da norma no tocante a todo contexto normativo explicitado na Lei Complementar nº 87/96, a fim de se chegar a um deslinde quanto à interpretação e aplicação da norma dentro da mais lídima legalidade.
Pois como é cediço, a existência de uma palavra solta dentro de um texto normativo por si só, não legitima a aplicação da interpretação literal apenas, devendo se aplicar a hermenêutica jurídica a fim de se obter uma interpretação condizente com a legalidade da cobrança, onde deve ser considerada a palavra no contexto normativo da lei complementar, tomando por lastro no caso vertente, a interpretação sistemática e teleológica.
Assim, ao perfilharmos esse entendimento, torna-se necessário a priori, nos reportarmos ao normativo contido na LC nº 87/96, mormente, ao art. 11, inciso V, alínea “b”, in verbis:
Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, é:
V- tratando-se de operações ou prestações interestaduais destinadas a consumidor final, em relação à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual:
b) o do estabelecimento do remetente ou onde tiver início a prestação, quando o destinatário ou tomador não for contribuinte do imposto. (grifo nosso)
Portanto, infere-se na exegese supra, que o local da operação, para efeito de cobrança do ICMS DIFAL das operações destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS, tem por escopo a figura do “ESTABELECIMENTO DO REMETENTE”, onde se conclui precipitadamente de logo, que a palavra “ESTABELECIMENTO” se refere a pessoa jurídica, assim, a interpretação da palavra “REMETENTE” consignada no inciso II do §2º do art. 4º da Lei Complementar nº 87/96, não poderia se referir a pessoa física, e sim a um contribuinte de fato, pessoa jurídica.
Todavia, vislumbra-se que a própria Lei Complementar em seu art. 11, §3º do caput, descaracteriza essa tese quando define a figura do estabelecimento, afirmando que pode ser também onde pessoas físicas exerça sua atividades, conforme se infere na inteligência emergente do §3º do art. 11, infracitado:
§ 3º Para efeito desta Lei Complementar, estabelecimento é o local, privado ou público, edificado ou não, próprio ou de terceiro, onde pessoas físicas ou jurídicas exerçam suas atividades em caráter temporário ou permanente, bem como onde se encontrem armazenadas mercadorias, observado, ainda, o seguinte: (grifo nosso)
Trazendo novamente a dúvida acerca da interpretação da palavra “REMETENTE” contida no inciso II, §2º do art. 4º da LC nº 87/96, alterada pela LC nº 190/22, a qual enseja dúvida acerca da interpretação dada pela SEFAZ de que uma pessoa física, mesmo que pratique venda sem habitualidade ou volume estaria incluído como remetente para efeito de cobrança do ICMS DIFAL em operações destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS.
Outrossim, como a palavra “ESTABELECIMENTO” poderia se referir em tese também, a uma pessoa física, conforme a dicção do §3º do art. 11, supra, torna-se de bom alvitre continuarmos a aplicação da hermenêutica jurídica, tomando por base a interpretação teleológica, a qual se refere a finalidade da norma, em conjunto com a interpretação sistemática, a qual se leva em consideração todo o arcabouço normativa da Lei complementar, onde urge nos reportarmos a dicção do art. 12 da LC nº 87/96, que dispõe sobre a ocorrência do fato gerador nas operações destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS estabelecido em outro Estado, visto se perquirir que o fato gerador ocorre na SAIDA DE ESTABELECIMENTO DE CONTRIBUINTE, conforme se abebera da leitura da norma transcrita abaixo:
Art. 12. Considera-se ocorrido o fato gerador do imposto no momento:
XVI - da saída, de estabelecimento de contribuinte, de bem ou mercadoria destinados a consumidor final não contribuinte do imposto domiciliado ou estabelecido em outro Estado. (grifo nosso)
Ou seja, se o fato gerador do imposto nas operações destinadas a consumidor final não contribuinte do imposto domiciliado ou estabelecido em outro Estado ocorre na SAÍDA DE ESTABELECIMENTO DE CONTRIBUINTE, a palavra “REMETENTE”, contida no inciso II, do §2º do art. 4º da LC nº 87/96, refere-se a CONTRIBUINTE, conforme expressamente determina a norma em epígrafe, diante do texto normativo objeto da interpretação equivocada infracitado:
§ 2º É ainda contribuinte do imposto nas operações ou prestações que destinem mercadorias, bens e serviços a consumidor final domiciliado ou estabelecido em outro Estado, em relação à diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual:
I - o destinatário da mercadoria, bem ou serviço, na hipótese de contribuinte do imposto;
II - o remetente da mercadoria ou bem ou o prestador de serviço, na hipótese de o destinatário não ser contribuinte do imposto. (grifo nosso)
Ao tempo em que verificamos também no arcabouço normativo da LC nº 87/96, de forma sistemática, que o art. 24-A, quando se refere ao portal que será providenciado pelos Estados e Distrito Federal, que o dispositivo disciplinados nos §§ 2º e 3º, atém-se expressamente ao inciso II do §2º do art. 4º da LC retro mencionada, dispositivo esse cuja palavra REMETENTE é objeto de interpretação equivocada por parte da SEFAZ, quando considera indevidamente remetente uma pessoa física não contribuinte do ICMS como responsável pelo pagamento do ICMS DIFAL, destinado a consumidor final não contribuinte do ICMS.
Assim, resta claramente demonstrado abaixo, de forma induvidosa, que a palavra REMETENTE, contida no inciso II do §2º do art. 4º da LC nº 87/96, quando da definição de contribuinte para efeito de cobrança do ICMS DIFAL, trata-se de CONTRIBUINTE inscrito no CCICMS, conforme se evidencia de forma hialina e incontestável na dicção dos §§ 2º e 3º abaixo transcrito ipsis litteris:
Art. 24-A. Os Estados e o Distrito Federal divulgarão, em portal próprio, as informações necessárias ao cumprimento das obrigações tributárias, principais e acessórias, nas operações e prestações interestaduais, conforme o tipo.
§ 1º O portal de que trata o caput deste artigo deverá conter, inclusive:
§ 2º O portal referido no caput deste artigo conterá ferramenta que permita a apuração centralizada do imposto pelo contribuinte definido no inciso II do § 2º do art. 4º desta Lei Complementar, e a emissão das guias de recolhimento, para cada ente da Federação, da diferença entre a alíquota interna do Estado de destino e a alíquota interestadual da operação.
§ 4º Para a adaptação tecnológica do contribuinte, o inciso II do § 2º do art. 4º, a alínea “b” do inciso V do caput do art. 11 e o inciso XVI do caput do art. 12 desta Lei Complementar somente produzirão efeito no primeiro dia útil do terceiro mês subsequente ao da disponibilização do portal de que trata o caput deste artigo. (grifo nosso)
Portanto, resta evidente, conforme se abebera da inteligência emergente do disciplinamento contido na norma supra, que as normas acima consideram o REMETENTE disciplinado no inciso II do §2º do art. 4º da Lei Complementar nº 87/96 como CONTRIBUINTE, o que faz cair por terra a tese defendida pela SEFAZ de que a pessoa física vendedora não contribuinte, que não pratica venda com habitualidade ou volume que caracterizasse intuito comercial, poderia ser considerada “REMETENTE”, para fins de cobrança do ICMS DIFAL nas vendas para consumidor final localizado em outro Estado.
In casu, a interpretação que deve ser seguida pela SEFAZ, acerca do inciso II do §2º do art. 4º da LC nº 87/96, quanto à definição de contribuinte para efeito de cobrança do ICMS DIFAL destinado a consumidor final em outro Estado, tem por escopo a necessidade de se considerar a palavra REMETENTE como CONTRIBUINTE inscrito no CCICMS ou que realize operações de vendas de mercadorias com habitualidade ou volume que caracteriza intuito comercial, conforme se conclui da análise sistemática do texto normativo da LC Nº 87/96, não cabendo a caracterização do remetente pessoa física não contribuinte do ICMS, o qual não pratica operações de venda com habitualidade ou volume que caracteriza intuito comercial, como responsável pelo pagamento do ICMS DIFAL em operações destinadas a consumidor final não contribuinte do ICMS.
Onde se evidencia ainda, que a cobrança do ICMS DIFAL realizada atualmente, além de ser indevida e ilegal, por não encontrar guarida nas normas da LC nº 87/96, conforme já explicitado, realiza-se através da apreensão de mercadorias, que por si só já se configura ilegal, diante da clara jurisprudência dos tribunais pátrios, a exemplo da SUMULA 323 do Supremo Tribunal Federal - STF, transcrita ipsis litteris abaixo:
Súmula 323
É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos.
Onde também se vislumbra de forma arbitrária, a cobrança do ICMS Difal do consumidor final não contribuinte do ICMS adquirente da mercadoria, o qual não pratica o fato gerador do ICMS Difal, conforme dicção do art. 12, inciso XVI da LC nº 87/96, inclusive, além de não ser o responsável pela exação fiscal, não lhe é oportunizada a liberação da mercadoria para exercer o direito do contencioso tributário, ou seja, o direito de questionar a cobrança indevida através dos órgãos julgadores administrativos, ferindo assim o Princípio Constitucional do Contraditório e da ampla defesa insculpindo no art. 5º, inciso LV da Constituição Federal que assim dispõe:
Art. 5º. (...)
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;
Portanto, no procedimento aplicado pela fiscalização no trânsito de mercadorias, o consumidor final não contribuinte do ICMS, tem sua mercadoria apreendida, não pode ter sua mercadoria liberada para questionar a cobrança nos órgãos julgadores administrativos, restando apenas a opção de pagar ou pagar a exigência fiscal, procedimento este arbitrário e indevido conforme normativos pátrios.
Sendo cediço que ao poder público é dado o direito de exigir impostos dentro da lídima legalidade, onde os equívocos de interpretações devem ser sanados de forma urgente, evitando prejuízos para o erário estadual em forma de sucumbência em possíveis ações judiciais e ao contribuinte, pelo ônus da cobrança indevida, e sem direito ao contraditório e a ampla defesa e a liberação da mercadoria, cuja apreensão é um ato ilegal, conforme dispõe a Sumula 323 do STF.
Por fim, mister se faz ressaltarmos que as considerações aqui tecidas se reportam mais uma vez apenas a um ponto de vista doutrinário acerca da matéria, o qual tem o objetivo precípuo de contribuir para o aperfeiçoamentos das normas que norteiam o ICMS, consequentemente, tentar corrigir as distorções verificadas nos meandros da estrutura tributária hodierna.
Autor: Rodrigo Antônio Alves Araújo






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